Acreditem-me ou não,
tanto faz, mas isto passou-se assim:
Estava eu ao pé da
costureira e pedi-lhe uma agulha. Não, ela é que ma pediu a mim e eu
levantei-me e fui buscar o meu agulheiro. Ofereci-lho, dizendo: olhe que está
aí um cento de agulhas, que tal?
É uma riqueza, foi
como ela me respondeu.
Salta logo dali o meu
irmão: é mentira!
É mentira? —
pergunto-lhe eu indignada.
É mentira e é mentira
e é mentira!
Meu grande malcriado!
Não são agulhas, são
soldados, diz-me ele.
Desatei a rir e
desenrosquei o meu agulheiro. Eu a tirar as agulhas e o João a gritar: ena,
tanto soldado! Não fiz caso do que ele dizia e volto-me para a mulher.
Conta-me uma
história?
Ainda é menina de
história? respondeu-me ela. E eu corei.
Então cante-me uma
cantiga.
Uma cantiga?
Tornei a corar. A
costureira troçava-me, já se sabe. Disfarcei então e pus-me a falar de fatos.
Gostava de ter um muito lindo e muito comprido...
Para ir ao baile?
diz-me ela.
Isso mesmo, para ir
ao baile, respondo-lhe eu. Faz-me um assim?
Porque não hei de
fazer? E riu-se. Eu ri-me também.
Passaram naquele
momento dois rapazes a cavalo e eu fui vê-los à janela, Vai um, atira-me uma
flor que trazia na boca. Apanhei-a no ar. Volto-me para a mulher, envergonhada.
Ela riu-se outra vez.
Estou noiva,
disse-lhe eu.
Parece-me que sim. E
desatamos ambas à gargalhada.
Conhece-os?
perguntei-lhe eu.
Muito bem. Um é
Julião e o outro Jerónimo.
O meu noivo é o
Jerónimo. Casaremos para o ano. A senhora quer fazer o meu enxoval?
Então não havia de
querer? respondeu-me a costureira.
Um enxoval lindo, que
eu tudo mereço!
Pois...
Mal sabia ela!
Isto foi num dia, num
dia... de Abril ou de Maio. Havia já muitas rosas. Depois, quantas vezes tornou
Jerónimo a passar, a pé e a cavalo?
O certo é que nos
vamos casar. Dizem que ainda sou muito nova, mas se eu gosto tanto dele!
Irene Lisboa,
Uma
mão cheia de nada outra de coisa nenhuma.