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9 de março de 2012

Teste de Português, 11º ano, sobre o «Sermão de Santo António aos Peixes»

GRUPO I – LEITURA (40 pontos)

Leia o seguinte texto e depois responda às questões sobre o mesmo.


“SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES”
de Padre António Vieira

«Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, prego aos peixes.
Passando dos da Escritura aos da história natural, quem haverá que não louve e admire muito a virtude tão celebrada da Rémora? No dia de um santo menor, os peixes menores devem preferir aos outros. Quem haverá, digo, que não admire a virtude daquele peixezinho tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder, que, não sendo maior de um palmo, se se pega ao leme de uma Nau da Índia, apesar das velas e dos ventos, e de seu próprio peso e grandeza, a prende e amarra mais que as mesmas âncoras, sem se poder mover, nem ir por diante? Oh se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na vida e que menos naufrágios no Mundo!
Se alguma Rémora houve na terra, foi a língua de Santo António, na qual, como na Rémora, se verifica o verso de São Gregório Nazianzeno: Lingua quidem parva est, sed viribus omnia vincit. O Apóstolo Santiago, naquela sua eloquentíssima Epístola, compara a língua ao leme da nau e ao freio do cavalo. Uma e outra comparação juntas declaram maravilhosamente a virtude da Rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme. E tal foi a virtude e força da língua de Santo António. O leme da natureza humana é o alvedrio[1], o Piloto é a razão: mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio? Neste leme, porém, tão desobediente e rebelde, mostrou a língua de António quanta força tinha, como Rémora, para domar a fúria das paixões humanas. Quantos, correndo fortuna na Nau Soberba, com as velas inchadas do vento e da mesma soberba (que também é vento), se iam desfazer nos baixos, que já rebentavam por proa, se a língua de António, como Rémora, não tivesse mão no leme, até que as velas se amainassem, como mandava a razão, e cessasse a tempestade de fora e a de dentro? Quantos, embarcados na Nau Vingança, com a artilharia abocada e os botafogos acesos, corriam enfunados a dar-se batalha, onde se queimariam ou deitariam a pique se a Rémora da língua de António lhes dão detivesse a fúria, até que, composta a ira e ódio, com bandeiras de paz se salvassem amigavelmente? Quantos, navegando na Nau Cobiça, sobrecarregada até às gáveas e aberta com o peso por todas as costuras, incapaz de fugir, nem se defender, dariam nas mãos dos corsários com perda do que levavam e do que iam buscar, se a língua de António os não fizesse parar, como Rémora, até que, aliviados da carga injusta, escapassem do perigo e tomassem porto? Quantos, na Nau Sensualidade, que sempre navega com cerração[2], sem sol de dia, nem estrelas de noite, enganados do canto das sereias e deixando-se levar da corrente, se iriam perder cegamente, ou em Sila, ou em Caríbdis, onde não aparecesse navio nem navegante, se a Rémora da língua de António os não contivesse, até que esclarecesse a luz e se pusessem em via.
Esta é a língua, peixes, do vosso grande pregador, que também foi Rémora vossa, enquanto o ouvistes; e porque agora está muda (posto que ainda se conserva inteira[3]) se veem e choram na terra tantos naufrágios.»

Questões:


1.      Insira o excerto transcrito na globalidade do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do modo mais completo que puder.  (7,5 pontos)

2.      Com base no texto, identifique o destinatário do sermão.    (2,5 pontos)

3.      O orador enuncia as virtudes de um peixe em particular.
3.1.  Transcreva a expressão textual que melhor refere a Rémora.  (5 pontos)

4.      Explique a comparação entre a rémora e a língua de Santo António.    (5 pontos)

5.      Explicite o sentido metafórico da “tempestade” das paixões humanas (as naus) que a língua de Santo António conseguiu acalmar.    (10 pontos)

6.      Dos seguintes recursos estilísticos, escolha um que seja importante na construção deste excerto do sermão e comente a sua expressividade.    (5 pontos) 
Interrogações retóricas; paralelismos sintáticos; metáforas; antíteses; frases exclamativas.

7.      Neste Sermão, Vieira utiliza a rémora para simbolizar… (assinale a única correta):      (5 pontos)
7.1.  um peixe que vivia do oportunismo.  *
7.2.  o poder que a palavra do pregador tem de ser guia das almas.  *
7.3.  o poder que a palavra de Deus tem de fazer tremer os pecadores. *
7.4.  o poder purificador da palavra de Deus.  *



GRUPO II (20 pontos)

 «Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, prego aos peixes.»
(início do excerto do teste)


8.      Num breve texto (cerca de 80 – 140 palavras), explique por que motivo no “Sermão de Santo António aos Peixes” o orador decide pregar aos peixes (e não aos homens) e o que representam, na generalidade, as criaturas marinhas. Aluda ao texto do sermão para fundamentar a sua resposta.




GRUPO III – EXPRESSÃO ESCRITA (40 pontos)

Texto
Estruturação temática e discursiva:                     25 pontos
Correção linguística:                                             15 pontos
__________________________
Total:     40 pontos


Leia a seguinte citação sobre a vocação humanista do padre António Vieira:
«A defesa dos direitos humanos, nomeadamente dos índios do Brasil escravizados pelos colonos, bem como dos cristãos-novos perseguidos pela Inquisição, é uma preocupação a que Vieira se manteve sempre fiel até ao fim da sua vida.»
Maria das Graças Moreira de Sá, Introdução a:
Padre António Vieira, Sermões Escolhidos, Lisboa, Ulisseia, 1999.

9.      Redija um texto expositivo-argumentativo bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de 300 palavras, em que apresente a sua opinião sobre a importância dos direitos humanos nos nossos dias.

Discuta o tema, desenvolvendo dois ou três argumentos e ilustrando-os com exemplos.

Nota: Antes de começar a redação do texto, elabore um plano da composição que poderá ser ou não um topic outline (o qual também deverá constar na folha de respostas).



[1] Alvedrio - o livre-arbítrio, ou seja: a faculdade da vontade para se determinar.
[2] Cerração – nevoeiro espesso; escuridão (do tempo).
[3] A língua de Santo António é conservada como relíquia na sua basílica de Pádua.

21 de fevereiro de 2012

Guião - Questões introdutórias (breves)


“Sermão de Santo António aos peixes” (1954)
do Padre António Vieira

Para testar os teus conhecimentos, consulta esta ligação:  Questões interativas



1. Que tipo de texto é este?

A ficha informativa da pág. 85 explicita o “texto expositivo-argumentativo”, portanto, o sermão estando incluído nesta sequência é classificado como um texto desse tipo (género textual).
Por outro lado, na pág. 82, onde se sistematiza os conhecimentos sobre o sermão, a estrutura do sermão é bem explicitada: 6 capítulos agrupados/distribuídos por 3 partes: exórdio[1], [invocação][2], exposição/confirmação[3], peroração[4].

No ponto 2.2. “Barroco: a estética da época de Vieira”, fala-se na importância da retórica (na pedagogia e na literatura) como “arte de persuasão”, com “processos de captação do destinatário, de manipulação dos seus afetos […]” semelhantes às artes plásticas e arquitetura. Notar: semelhanças com a linguagem do marketing, da publicidade.
Numa subalínea de 2.2,   2.2.1 – “Retórica e sermonística no Barroco literário” (pp. 45-46), explicitam-se “as bases teóricas sobre a arte de pregar em Portugal”, tal como são propostas no Sermão da sexagésima. No 2º parágrafo, são enumeradas “as regras e as partes” constitutivas do “método português” de pregar:
- O tema (em latim),
- A proposição,
- A divisão
- A prova ou confirmação com os textos das Escrituras, i.e., o “conceito predicável”,
- A amplificação com recurso aos lugares comuns,
- A confutação [i.e., refutação: demostrar a falsidade de um dito ou argumento contrário] e, por fim,
- A peroração, onde se devia colocar a conclusão e insistir na persuasão.

Notar ainda a  importância das funções tradicionais da oratóriadelectare (deleitare), docere (ensinar) e movere (mover ou influenciar o comportamento do ouvinte, como na PUB). O seus sermões, Vieira pretende cativar os ouvintes, de modo a cumprir as funções do sermão, ou seja, deleitar (delectare), coagir com/persuadir o auditório («movere»), levando-o a alterar o seu comportamento («docere»).
Será ainda interessante ler o texto sobre o  sermão como “um ritual social”: v. 1º parágrafo, p. 46.

2. Em que situação foi escrito e proferido este sermão?

Os mais conhecidos sermões de Vieira prendem-se a conjunturas históricas determinadas: o sermão de Santo António aos peixes, pregado em S. Luís do Maranhão em 1654, ilustra a sua imaginação e poder satírico na simbologia que atribui aos peixes.
No princípio de 1653, Vieira chegou ao Maranhão, onde foi recebido com muito júbilo, mas também com a má vontade do capitão general e do povo. Nesse estado, assumiu um papel muito ativo nos conflitos entre jesuítas e colonos, como paladino dos direitos humanos, a propósito da exploração dos indígenas. Quando então se publicou uma lei mandando restituir os índios cativos à liberdade, houve uma verdadeira sublevação, chegando a estar em perigo o colégio da Companhia.
Em 1654, rês dias antes de partir para Lisboa, o padre Antóno Vieira pregou o Sermão de Santo António aos peixes, que é uma das obras-primas da sua eloquência.
Embarca, quase às escondidas, em Junho, para Lisboa a fim de obter novas leis favoráveis aos índios. Durante a viagem padece, mais uma vez, grandes tempestades e caiu nas mãos dum pirata holandês, que, após roubar a embarcação, deixou a tripulação nas ilhas dos Açores. Vieira demorou algum tempo naquele arquipélago, onde foi muito festejado. Na ilha de S. Miguel pregou o sermão de Santa Teresa, perante um auditório entusiasmado.
Chegou a Portugal no mês de novembro de 1654. Quando se encontrou com o rei D. João IV, Vieira expôs-lhe o assunto a que vinha, conseguindo que se tomassem as medidas que ele desejava em relação aos índios, e partiu enfim de novo para o Maranhão a 16 de abril de 1655.

3. Porquê o nome deste sermão?

Trata-se de uma homenagem a Santo António, tendo sido pregado no dia de nascimento deste santo; segue o exemplo do sermão do próprio Santo António, dirigido aos peixes; tal como Sto. António tenta converter os hereges, também Vieira tenta evangelizar os colonos portugueses no Brasil.

4. Qual o propósito deste sermão?

Vieira pretende influenciar o auditório, levando-o a refletir e a alterar os seus atos. De acordo com a linguagem utilizada no sermão, o pregador pretende evitar o mal e preservar o bem, i.e., o sal deve salgar a terra.
Como se diz no início do nosso manual, por um lado, este sermão “é um texto religioso, que promove as virtudes do cristão e procura evitar que ele caia no pecado.” – e nesse sentido é um texto datado, com um propósito muito específico (veja-se a resposta a “Em que situação foi escrito e proferido este sermão?”). Todavia,  por outro lado, e em sentido mais lato, “é também um texto com uma relevante dimensão cívica, tendo em conta que o pregador reflete sobre questões intemporais das sociedades humanas e sobre circunstâncias do seu tempo.” (cf. P. 47 do manual).



[1] Exórdio ou introito, em que o orador expunha o plano que iria defender, baseado num conceito predicável extraído normalmente da Sagrada Escritura;
[2] a invocação, em que se invocava o auxílio divino para a exposição das ideias;
[3] a confirmação ou argumento, em que se fazia a exposição do tema através de alegorias, sentenças e exemplos para deles tirar ilações
[4] Peroração, a última parte do sermão, em que o orador, recapitulando o seu discurso, usava um desfecho vibrante de forma a impressionar o auditório e a exortá-lo, a pôr em prática os seus ensinamentos.

Guião - Respostas ao questionário 6


“Sermão de Santo António aos peixes” (1654)
do Padre António Vieira

Compreensão/Interpretação 6 (p. 80)cap. VI


1. Os peixes encontram-se arredados dos sacrifícios a Deus. O enunciador avança como motivo o facto de os peixes, ao contrário dos outros animais, não poderem chegar vivos ao altar do sacrifício, o que a Deus não agradaria.

1.1. Muitos homens chegam mortos ao altar do sacrifício, ou seja, morrem em pecado. Facto que é objeto da crítica do orador.

2. Os peixes sacrificam a Deus, não o sangue e a vida, mas o respeito e a reverência. Deste modo, o pregador apela aos homens para que sejam virtuosos e exorta-os a respeitarem e a obedecerem a Deus.

3. No segundo parágrafo, o pregador inveja os peixes porque lhes atribui características superiores: o facto de não falarem, não terem memória, entendimento e vontade evita que ofendam a Deus e, por outro lado, os peixes conseguem atingir o objetivo para que foram criados (servir os homens), ao contrário do pregador, que diz não conseguir servir a Deus.

4. Os peixes deverão louvar a Deus porque este…
- os criou em grande quantidade e variedade,
- lhes deu a água como elemento,
- os sustenta e conserva.
5. Na passagem «e chamou para si aqueles que convosco e de vós viviam» (ll. 47-48), o pregador refere-se aos apóstolo, alguns deles pescadores de profissão.


Guião - Respostas ao questionário 5


“Sermão de Santo António aos peixes” (1654)
do Padre António Vieira

Compreensão/Interpretação 5 (p. 77) – cap. V


Atividade interativa do manual, p. 77: A partir da leitura do cap. V, complete o quadro com as seguintes palavras em falta.

Peixes
Defeitos
Contrastes com S. António
Roncadores
soberba, orgulho, arrogância
Sabia calar o saber e o poder que tinha. Por isso, a sua palavra chegou até hoje.
Pegadores
parasitismo, oportunismo, adulação
Pegou-se apenas com Cristo e tronou-se imortal.
Voadores
presunção, ambição
Sempre foi discreto quanto á sua sabedoria natural e sobrenatural.
Polvo
traição, hipocrisia
É um exemplo de candura, de sinceridade e de verdade.


2. Sistematização da informação central através de uma tabela:



«Peixes»
Comportamento e caraterísticas
Traços humanos representados
Personagens com esse comportamento
Contrastes com S. António
Roncadores
Pequenos e emitem um som grave.
Arrogância e orgulho
São pedro, Golias, Caifás e Pilatos
S. António tinha saber e poder, mas não se vangloriava.
Pegadores
Pequenos e fixam-se a peixes grandes ou ao leme dos navios.
Oportunismo, parasitismo social e subserviência
Os seguidores de Herodes e aqueles que Nabucodonosor sustentava.
S. António «pegou-se» apenas a Cristo e seguiu-O.
Voadores
Peixes de grandes barbatanas que saltam para fora de água como se voassem.
Ambição desmedida
Simão Mago e Ícaro
S. António tinha sabedoria e poder, mas não se vangloriou.
Polvo
Tem um «capelo», tentáculos e um corpo mole, e pode camuflar-se.
Hipocrisia e traição
Judas
S. António foi sincero e verdadeiro (nunca enganou).

[…]


7. No do fim do cap. V, Vieira dá um conselho edificante aos ouvintes, com base nos peixes: o orador aconselha os peixes (e os homens) a não se apoderarem dos bens dos outros, ato que é pecaminoso e desonesto.

Guião - Respostas ao questionário 4


“Sermão de Santo António aos peixes” (1654)
do Padre António Vieira




Compreensão/Interpretação 4 (p. 69) – cap. IV

Neste cap., Vieira repreende os peixes em geral, criticando neles comportamentos condenáveis nos homens.

1. A frase “A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros” (ll. 3-4) simboliza algo semelhante na sociedade humana: os homens dominam, oprimem e exploram os seus semelhantes.

1.1. Os estudiosos de Vieira referem-se a esta prática através do termo “antropofagia social”. Neste contexto, a expressão significa que as práticas da opressão e da exploração são metaforicamente atos de canibalismo porque os homens se “alimentam” (subjugam, dominam) de outros homens para aumentar o seu poder  e as suas riquezas.

2., 2.1 e 2.1.1. O problema é mais grave pois “os [peixes] grandes comem os pequenos” (ll. 5-6) – Na sociedade humana, esse facto significa metaforicamente que os homens mais poderosos e ricos dominam e subjugam os mais vulneráveis e os desfavorecidos. É mais grave que assim seja porque – como se dominam os mais frágeis – a injustiça e a desumanidade de quem oprime e explora são maiores.

2.2. Exemplos dos nossos dias em que “os grandes comem os pequenos”:
- Os empresários sem escrúpulos explorarem os trabalhadores,
- Alguns políticos serem prepotentes,
- Uma maioria étnica/religiosa/etc. discriminar os indivíduos de outras etnias, religiões, etc.

3. Relação estabelecida entre as críticas formuladas por Santo Agostinho aos peixes e as enunciadas por Vieira (ll. 14-17): Santo Agostinho, para ensinar os homens, através da sua pregação, aludiu ao exemplo dos peixes. Vieira fará o oposto: pregará aos peixes e ilustrará os seus ensinamentos com casos de homens.

4. Na frase “Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue[1] é o de cá, muito mais se comem os brancos.” (ll. 21-22), estabelece-se uma comparação em que se criticam os homens brancos: embora os Tapuias sejam canibais, não comem tantos homens como aqueles que, metaforicamente, são devorados (oprimidos) na carnificina que existe entre os brancos.

5. As formas verbais alusivas à visão (ll. 14-28) como «mostrou-lhos», «vejais», «olhai», «olhar» e «vedes», permitem representar os factos de modo mais vivo, acentuado o apelo, visando confrontar os ouvintes com essa realidade.

6. Resumindo o que acontece com um homem que acaba de morrer (ll. 29-37), podemos dizer que, de forma insensível, as outras pessoas, incluindo a própria mulher, esquecem-no e procuram apoderar-se dos bens do defunto.

6.1. O uso do paralelismo sintático das orações que se iniciam pela forma verbal “come-o” e as suas variantes (ll. 30-37) permite dar conta das inúmeras pessoas que, de forma voraz, se procuram apoderar das posses de um homem que acaba de morrer; acentua, pois, a quantidade e a voracidade dos predadores.

7. Nas linhas 44-50, censura-se o sistema judicial: se um cidadão tiver assuntos a resolver em tribunal, verá que todos os agentes judiciais partciparão na dilapidação dos seus bens.

[…]

8.2. Nas linhas 76-78, a gradação (“multem”, “defraudem”, “comam, traguem e devorem”) dá conta do processo crescente e avassalador da exploração e da opressão dos mais fracos.

[…]

12. No fim deste capítulo, Santo António serve de exemplo porque não sofreu da ignorância e da vaidade dos outros e não caiu nos erros destes. Na verdade, em lugar de «ser pescado», foi ele que «pescou» vários fiéis para pôr no caminho da virtude.


[1] “açougue” – matança, carnificina.

Guião - Respostas ao questionário 3


“Sermão de Santo António aos peixes” (1654)
do Padre António Vieira




Compreensão/Interpretação 3 (pp. 62-63) – cap. III


1. Elogio dos peixes em particular. Esquema de acordo com o texto.

Identificação
do peixe
Virtude(s)
do peixe
Analogia com
Santo António
Crítica
aos homens
Peixe de Tobias
O fel do peixe curava a cegueira e o seu coração expulsava os demónios.
[fé/virtude; bondade]
S. António fazia os homens ver a virtude (Bem) e afastar-se do pecado (Mal).
Perseguiram S. António (tal como os moradores do Maranhão perseguem Vieira). Os homens não queriam ver a verdade e agiam com maldade.
Rémora
Apesar de ser pequeno, conseguia determinar o rumo da nau. 
[força (de vontade)]
A língua de S. António era uma rémora na terra – tinha força para dominar as paixões humanas: a soberba, a vingança, a cobiça e a sensualidade.
Os homens deixam-se levar pela soberba, a vingança, a cobiça e a sensualidade.
Torpedo
Faz tremer o braço do pescador .
[converter/mudar]
S. António também fazia os homens “tremer” e arrependerem-se.
Os pescadores representam aqueles que se aproveitam do poder para satisfazer a sua ganância.
Quatro-olhos
Tem dois pares de olhos: um olha para cima e o outro olha para baixo.
[visão/iluminação]
S. António também ensina aos homens que devem pensar no Céu e no Inferno.
No Brasil, muitas pessoas vivem na “cegueira”, i.e., em pecado, há muito tempo.


2. «Abri, abri estas entranhas; vede, vede este coração» (l. 52) - Com este pedido, o Padre António Vieira pretende que os moradores do Maranhão percebam que ele, à semelhança de Santo António (e do Peixe de Tobias), apenas pretende, no seu íntimo, curar a cegueira dos seus ouvintes e libertá-los do mal.

3. e 3.1. Os recursos estilísticos são a alegoria, a interrogação retórica e o paralelismo.
Como exemplo de alegoria e de interrogação retórica, temos:
«quantos, correndo Fortuna na nau Soberba, com as velas inchadas do vento e da mesma soberba (que também é vento), se iam desfazer nos baixos, que já rebentavam por proa, se a língua de António, como rémora, não tivesse mão no leme, até que as velas se amainassem, como mandava a razão, e cessasse a tempestade de fora e a de dentro?»
O paralelismo é evidente no excerto que se segue:
«quantos, embarcados na nau Vingança, com a artilharia abocada e os bota-fogos acesos, corriam enfunados a dar-se batalha, onde se queimariam ou deitariam a pique, se a rémora da língua de António lhe não detivesse a fúria, até que […], aliviados da carga injusta, escapassem do perigo e tomassem porto?»

Vieira recorre à alegoria (num sermão todo ele alegórico) para ilustrar de forma mais percetível ao seu auditório os pecados mais comuns e o modo como a língua de Santo António (e a sua própria) salva os pecadores. Esta alegoria surge combinada com a interrogação retórica e o paralelismo para reforçar a sua tentativa de cativar os ouvintes.



Exercício de vocabulário (do professor)

Relê os parágrafos referentes ao peixe Rémora (pp. 59-60). Em cada termo que se segue (a negro e à esquerda):
a) circunda uma das palavras à direita, a que tenha o valor mais aproximado da palavra usada no texto;
b) circunda a palavra à direita que é estranha ao significado da palavra usada no texto.

Nota: Todas as quatro hipóteses foram pesquisadas num dicionário de sinónimos.

Soberba (linha 74)         — altivez/arrogância/luxúria/vaidade
Vingança (linha 79)       — represália/ sofreguidão/ofensa/punição
Cobiça (linha 83)           — ambição/avidez/orgulho/ânsia
Sensualidade (linha 87) — castigo/volúpia/lascívia/lubricidade

4. Quadro, de acordo com o texto.

Naus
Elementos caracterizadores
Simbologia dos elementos caracterizadores
Efeitos da língua de Santo António
«Nau Soberba»
«velas inchadas do vento»
O vento simboliza o caráter vão do pecado da soberba, i.e., do orgulho desmedido
Leva as velas a amainarem e a tempestade interior e exterior a terminar
[1]
«Nau Vingança»
[2]
«artilharia abocada»; «bota-fogos acesos»; «enfunados»;
[3]
O arsenal de guerra pronto a disparar e o facto de avançarem «enfunados» simbolizam a fúria e a impetuosidade que arrastam as pessoas que se movem pelo desejo de vingança;
[4]
Detém a fúria, acaba com a ira e o ódio e faz a nau içar bandeiras de paz;
[5]
«Nau Cobiça»
[6]
«sobrecarregada até às gáveas»; «aberta com o peso por todas as costuras»; «incapaz de fugir, nem se defender»;
[7]
a carga excessiva simboliza o resultado da cobiça, que leva os homens a acumularem demasiados bens materiais;
[8]
Salva a nau (que, pela sua carga excessiva, não podia fugir nem defender-se) dos ataques dos corsários que a levariam a perder o que tinha e o que desejava obter;
[9]
«Nau Sensualidade»
[10]
«sempre navega com cerração, sem sol de dia, nem estrelas de noite»; os seus ocupantes navegam «enganados do canto das sereias»; «deix[a-se] levar da corrente»;
[11]
a cegueira e a desorientação simbolizam o que sucede aos que se deixam levar pela sensualidade – não tendo domínio sobre si próprios, caem facilmente em tentação;
[12]
Impede a nau de naufragar, levando os seus ocupantes a readquirirem a capacidade de ver e a voltarem a assumir o rumo certo.


4.1 Os peixes são louvados por alimentarem todos os que vivem em austeridade para chegarem ao Céu, os cristãos ao longo da Quaresma e o próprio Cristo depois de ter ressuscitado. Nos dias da semana em que devia ser praticada abstinência, as refeições podiam ser de peixe. Peixes como a sardinha garantem o sustento dos pobres.