21 de fevereiro de 2012

Guião - Respostas ao questionário 4


“Sermão de Santo António aos peixes” (1654)
do Padre António Vieira




Compreensão/Interpretação 4 (p. 69) – cap. IV

Neste cap., Vieira repreende os peixes em geral, criticando neles comportamentos condenáveis nos homens.

1. A frase “A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros” (ll. 3-4) simboliza algo semelhante na sociedade humana: os homens dominam, oprimem e exploram os seus semelhantes.

1.1. Os estudiosos de Vieira referem-se a esta prática através do termo “antropofagia social”. Neste contexto, a expressão significa que as práticas da opressão e da exploração são metaforicamente atos de canibalismo porque os homens se “alimentam” (subjugam, dominam) de outros homens para aumentar o seu poder  e as suas riquezas.

2., 2.1 e 2.1.1. O problema é mais grave pois “os [peixes] grandes comem os pequenos” (ll. 5-6) – Na sociedade humana, esse facto significa metaforicamente que os homens mais poderosos e ricos dominam e subjugam os mais vulneráveis e os desfavorecidos. É mais grave que assim seja porque – como se dominam os mais frágeis – a injustiça e a desumanidade de quem oprime e explora são maiores.

2.2. Exemplos dos nossos dias em que “os grandes comem os pequenos”:
- Os empresários sem escrúpulos explorarem os trabalhadores,
- Alguns políticos serem prepotentes,
- Uma maioria étnica/religiosa/etc. discriminar os indivíduos de outras etnias, religiões, etc.

3. Relação estabelecida entre as críticas formuladas por Santo Agostinho aos peixes e as enunciadas por Vieira (ll. 14-17): Santo Agostinho, para ensinar os homens, através da sua pregação, aludiu ao exemplo dos peixes. Vieira fará o oposto: pregará aos peixes e ilustrará os seus ensinamentos com casos de homens.

4. Na frase “Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue[1] é o de cá, muito mais se comem os brancos.” (ll. 21-22), estabelece-se uma comparação em que se criticam os homens brancos: embora os Tapuias sejam canibais, não comem tantos homens como aqueles que, metaforicamente, são devorados (oprimidos) na carnificina que existe entre os brancos.

5. As formas verbais alusivas à visão (ll. 14-28) como «mostrou-lhos», «vejais», «olhai», «olhar» e «vedes», permitem representar os factos de modo mais vivo, acentuado o apelo, visando confrontar os ouvintes com essa realidade.

6. Resumindo o que acontece com um homem que acaba de morrer (ll. 29-37), podemos dizer que, de forma insensível, as outras pessoas, incluindo a própria mulher, esquecem-no e procuram apoderar-se dos bens do defunto.

6.1. O uso do paralelismo sintático das orações que se iniciam pela forma verbal “come-o” e as suas variantes (ll. 30-37) permite dar conta das inúmeras pessoas que, de forma voraz, se procuram apoderar das posses de um homem que acaba de morrer; acentua, pois, a quantidade e a voracidade dos predadores.

7. Nas linhas 44-50, censura-se o sistema judicial: se um cidadão tiver assuntos a resolver em tribunal, verá que todos os agentes judiciais partciparão na dilapidação dos seus bens.

[…]

8.2. Nas linhas 76-78, a gradação (“multem”, “defraudem”, “comam, traguem e devorem”) dá conta do processo crescente e avassalador da exploração e da opressão dos mais fracos.

[…]

12. No fim deste capítulo, Santo António serve de exemplo porque não sofreu da ignorância e da vaidade dos outros e não caiu nos erros destes. Na verdade, em lugar de «ser pescado», foi ele que «pescou» vários fiéis para pôr no caminho da virtude.


[1] “açougue” – matança, carnificina.