Leia o seguinte texto e depois responda às questões sobre o mesmo.
“SERMÃO DE SANTO
ANTÓNIO AOS PEIXES”
de Padre António Vieira
«Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos pudera agora dizer neste caso!
Abri, abri estas entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, que me não
lembrava! Eu não vos prego a vós, prego aos peixes.
Passando dos da Escritura aos da história natural, quem haverá que não
louve e admire muito a virtude tão celebrada da Rémora? No dia de um santo menor, os peixes menores devem preferir
aos outros. Quem haverá, digo, que não admire a virtude daquele peixezinho tão
pequeno no corpo e tão grande na força e no poder, que, não sendo maior de um
palmo, se se pega ao leme de uma Nau da Índia, apesar das velas e dos ventos, e
de seu próprio peso e grandeza, a prende e amarra mais que as mesmas âncoras,
sem se poder mover, nem ir por diante? Oh se houvera uma Rémora na terra, que
tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na vida e que
menos naufrágios no Mundo!
Se alguma Rémora houve na terra, foi a língua de Santo António, na qual,
como na Rémora, se verifica o verso de São Gregório Nazianzeno: Lingua quidem parva est, sed viribus omnia vincit. O Apóstolo Santiago,
naquela sua eloquentíssima Epístola, compara a língua ao leme da nau e ao freio
do cavalo. Uma e outra comparação juntas declaram maravilhosamente a virtude da
Rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme. E tal foi
a virtude e força da língua de Santo António. O leme da natureza humana é o
alvedrio[1], o Piloto
é a razão: mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do
alvedrio? Neste leme, porém, tão desobediente e rebelde, mostrou a língua de
António quanta força tinha, como Rémora, para domar a fúria das paixões humanas.
Quantos, correndo fortuna na Nau Soberba, com as velas inchadas do vento e da
mesma soberba (que também é vento), se iam desfazer nos baixos, que já
rebentavam por proa, se a língua de António, como Rémora, não tivesse mão no
leme, até que as velas se amainassem, como mandava a razão, e cessasse a
tempestade de fora e a de dentro? Quantos, embarcados na Nau Vingança, com a
artilharia abocada e os botafogos acesos, corriam enfunados a dar-se batalha,
onde se queimariam ou deitariam a pique se a Rémora da língua de António lhes
dão detivesse a fúria, até que, composta a ira e ódio, com bandeiras de paz se
salvassem amigavelmente? Quantos, navegando na Nau Cobiça, sobrecarregada até
às gáveas e aberta com o peso por todas as costuras, incapaz de fugir, nem se
defender, dariam nas mãos dos corsários com perda do que levavam e do que iam
buscar, se a língua de António os não fizesse parar, como Rémora, até que,
aliviados da carga injusta, escapassem do perigo e tomassem porto? Quantos, na Nau
Sensualidade, que sempre navega com cerração[2], sem
sol de dia, nem estrelas de noite, enganados do canto das sereias e deixando-se
levar da corrente, se iriam perder cegamente, ou em Sila, ou em Caríbdis, onde
não aparecesse navio nem navegante, se a Rémora da língua de António os não
contivesse, até que esclarecesse a luz e se pusessem em via.
Esta é a língua, peixes, do vosso grande pregador, que também foi Rémora
vossa, enquanto o ouvistes; e porque agora está muda (posto que ainda se
conserva inteira[3])
se veem e choram na terra tantos naufrágios.»
Questões:
1.
Insira o excerto transcrito na globalidade do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do
modo mais completo que puder. (7,5 pontos)
2.
Com base no texto, identifique o destinatário do sermão. (2,5 pontos)
3.
O orador enuncia as virtudes de um peixe em
particular.
3.1. Transcreva a expressão textual
que melhor refere a Rémora. (5 pontos)
4.
Explique a
comparação entre a rémora e a língua de Santo António. (5 pontos)
5.
Explicite
o sentido metafórico da “tempestade” das paixões humanas (as naus) que a língua
de Santo António conseguiu acalmar. (10 pontos)
6.
Dos seguintes recursos estilísticos, escolha um que
seja importante na construção deste excerto do sermão e comente a sua
expressividade. (5 pontos)
Interrogações retóricas; paralelismos sintáticos;
metáforas; antíteses; frases exclamativas.
7.
Neste
Sermão, Vieira utiliza a rémora para simbolizar… (assinale a única correta): (5 pontos)
7.1. um peixe que vivia do oportunismo. *
7.2. o poder que a palavra do pregador tem de ser
guia das almas. *
7.3. o poder que a palavra de Deus tem de fazer
tremer os pecadores. *
7.4. o poder purificador da palavra de Deus. *
GRUPO II (20 pontos)
(início do excerto do teste)
8.
Num breve
texto (cerca de 80 – 140 palavras), explique por que motivo no “Sermão de Santo António aos Peixes” o orador decide pregar aos peixes (e não aos
homens) e o que representam, na generalidade, as criaturas marinhas. Aluda ao
texto do sermão para fundamentar a sua resposta.
GRUPO III – EXPRESSÃO ESCRITA (40 pontos)
Texto
Estruturação
temática e discursiva: 25
pontos
Correção
linguística: 15
pontos
__________________________
Total: 40
pontos
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Leia a seguinte citação
sobre a vocação humanista do padre António Vieira:
«A defesa dos direitos humanos, nomeadamente dos índios do Brasil escravizados pelos colonos, bem como dos cristãos-novos perseguidos pela Inquisição, é uma preocupação a que Vieira se manteve sempre fiel até ao fim da sua vida.»
Maria das Graças Moreira de Sá, Introdução a:
Padre António Vieira, Sermões Escolhidos, Lisboa, Ulisseia, 1999.
9. Redija
um texto expositivo-argumentativo bem estruturado, com um mínimo de 200 e um
máximo de 300 palavras, em que apresente a sua opinião sobre a importância dos direitos humanos
nos nossos dias.
Discuta
o tema, desenvolvendo dois ou três argumentos
e ilustrando-os com exemplos.
Nota:
Antes de começar a redação do texto, elabore um plano da composição que poderá ser ou não um topic outline (o qual também deverá
constar na folha de respostas).