Alguns apontamentos:
Época – escola literária
Parnasianismo
Tendência na literatura que surge
como uma reação antirromântica, sobretudo em França: necessidade de objetivar ou despersonalizar a
poesia. Em Portugal, Cesário Verde foi parnasiano na observação do real
quotidiano e no rigor formal dos seus
textos.
Realismo
A obra literária mostra a realidade
tal como é, não como se imagina, e as personagens são observadas no meio social
onde vivem, de forma objectiva e crua. Valoriza-se a descrição pormenorizada de
cenários, ambientes e personagens.
Impressionismo
Valoriza a impressão pura, a
percepção imediata, não intelectualizada. É fiel à primeira
sensação. Não há
interesse sobre o objecto em si, mas pelo efeito que provoca. A hipálage é
frequente nas páginas impressionistas.
Temas
·
Poetização do real : Captação das impressões
causadas pela realidade; atenção voltada para o quotidiano; transmissão de
perceções sensoriais.
·
Binómio cidade/campo:
o contraste entre cidade/campo é um tema fundamental da poesia de Cesário.
O campo é visto como um espaço de refúgio, de saúde, de fertilidade e
de vitalidade.
A cidade é um local de agitação, de progresso, mas também de opressão
social, de melancolia, de doença, de morbidez (morte) e de aprisionamento:
Preferir o campo é valorizar o
natural em detrimento do artificial, é valorizar um espaço de vida (saúde) e
rejeitar um espaço de morte (doença). – Ver Anexo 1.
·
A oposição passado/presente: o passado é visto como um tempo de
harmonia com a natureza, ao contrário do presente que se apresenta contaminado
pelos nocividades da cidade (por ex., poema “Nós”).
·
A questão da inviabilidade do Amor na cidade.
·
A preocupação com as injustiças sociais: o poeta dá
visibilidade e voz (coloca-se ao lado de) aos desfavorecidos, os
injustiçados,
os marginalizados e admira a força física, a pujança do povo trabalhador.
Cesário Verde interessa-se pelo conflito
social quer do campo quer da cidade, procurando documentá-lo e analisá-lo,
embora sem interferir. – Ver Anexo 3.
· Nesse sentido, a poesia de Cesário
expressa outros aspetos da vida menos comuns na lírica portuguesa: o inestético (o feio) e o vulgar, a realidade trivial e
quotidiana.
·
O sentimento anti-burguês.
·
A presença obsessiva da figura feminina, percepcionada de
diferentes modos: (1) negativamente, porque contaminada pela civilização urbana
(= a mulher opressora, a “femme-fatale”);
(2) positivamente, pois está associada ao campo e aos seus valores
(mulher-anjo, mulher
regeneradora, mulher oprimida, como sinédoque do social);
(3) como objeto de estímulo erótico: ela é estímulo dos sentidos carnais ou
sensuais (a mulher-objeto). – Ver Anexo 2.
Caraterísticas realistas
·
Poesia estimulada pelo real: o
poeta inspira-se no mundo externo,
material e concreto.
·
A seleção temática “realista”: a dureza do trabalho; a doença e a injustiça
social; etc.
·
As “cenas” apresentadas são
situadas no espaço (com predomínio
do cenário urbano) e no tempo (por vezes, com presença do real histórico: a referência a Camões e
o contexto sociopolítico).
·
Uso da linguagem burguesa,
popular, coloquial, rica em termos concretos.
·
Atenção ao pormenor (realista).
Modernidade da sua poesia:
A poesia de Cesário Verde, embora enquadrada
na época da escola realista (Realismo), apresenta caraterísticas que o superam
e anunciam já estéticas posteriores (Impressionismo, Modernismo, Surrealismo).
Nesse sentido, mais do que a representação do real, ao Poeta importa
a impressão do real, que ultrapassa ou
excede o real objetivo. Portanto, a realidade é mediatizada pelo olhar e a imaginação
do poeta, que, a partir do real concreto, o transfigura, recria, reinventa
(metamorfose). Recria, pois, uma super-realidade através da imaginação, num
processo de reinvenção ou recontextualização precursora da estética surrealista.
Por outro lado, destaca-se o recurso à
expressividade da sinestesia, isto é, ao cruzamento de várias sensações na
apreensão do real, caraterística impressionista, que valoriza a sensação em
detrimento do objecto real.
Caraterísticas
formais e estilísticas:
“Se eu não morresse, nunca! E eternamente / buscasse e
conseguisse a perfeição das cousas!”
·
Regularidade métrica (preferência pelo decassílabo), estrófica (preferência pela quadra, que lhe permitia maior destreza
no tratamento dos assuntos) e rimática
– preocupação com a perfeição formal.
·
Expressão clara, objetiva e concreto.
·
Uso de vocabulário preciso e expressivo.
·
Rigor sintático, acentuado pelo
uso de palavras entre vírgulas (precisão vocabular).
·
Recursos estilísticos: abundância
de imagens, metáforas, comparações e
sinestesias; a expressividade verbal [dos verbos]; a adjetivação abundante, rica e expressiva;
o uso do
diminutivo; a
expressividade do advérbio; a hipálage; as aliterações (recursos fónicos que contribuem para a musicalidade).
A utilização da ironia como forma de
moderar ou estancar o sentimentalismo.
***
·
[Descrição] A sua técnica descritiva, muito visual e
realista, está ao serviço da sua constante busca da expressão clara, objetiva e
concreta: a perfeição formal.
·
[Prosaísmo ou objetividade] Certo prosaísmo lírico, uma poesia
“realista”: descrições aparentemente pouco poéticas, pois o Poeta procura
explorar a notação
objetiva das graças e dos desagrados da vida da cidade ou a
grande vitalidade da paisagem
campestre.
·
[Narração] Os seus poemas
geralmente apresentam uma estrutura
narrativa, em que
encontramos ações protagonizadas por
figuras ou personagens (por ex., nos
poemas: “Cristalizações”, “Deslumbramentos”, “Num
bairro moderno”), em que estas são percepcionadas por um eu lírico (narrador) caminhante
ou viajante (por ex., em “O sentimento dum ocidental”). Neste caso, estamos
perante uma poesia deambulatória,
itinerante (como em Bernardo Soares, o semi-heterónimo pessoano): a
exploração do espaço é feita através de sucessivas deambulações, numa
perspetiva de câmara de filmar em que se vão fixando/captando vários planos. Esse
olhar itinerante e fragmentário, que reflete e expressa o passeio pela cidade,
é geralmente situado num espaço e
num tempo precisos.
·
Transfiguração da realidade: embora seja um
poeta do real quotidiano, realidade que o inspira e o inquieta, Cesário tem
momentos de fuga imaginativa, aproximando-se do impressionismo poético.
·
[Pintura – "pinto quadros por
letras, por sinais", Cesário Verde.] Pintor-poeta, concretiza a realidade
através do uso frequente de substantivos
dispostos em adição (através da enumeração), mas sobretudo através do recurso a
uma adjetivação abundante e expressiva (através da dupla
e tripla adjetivação), ambos os recursos ao serviço de uma composição poética
próxima do pictórico (por ex., “De tarde”).
Ainda nesta aproximação entre os
poemas e a pintura, nota-se o contraste luz/sombra: jogo lúdico de
luz (natural, artificial ou emanada do objeto/ser observado) em que as imagens
poéticas (de cintilações) valorizam e recriam a realidade ou a revelam no seu
esplendor (por ex., no poema « O sentimento dum ocidental»).